segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Praça São Salvador: o principal ponto da cidade e suas modificações

Até 1839 era um lugar coberto de capim, tanto que em 1841 para a festa de regozijo pela coroação de D. Pedro II, a Câmara providenciou uma capina, contudo somente em 1869 é que foi providenciado seu nivelamento. Em 1874 foi proposto o ajardinamento e seu fechamento com gradis, mas só foi realizado em 1888, a exemplo do Campo da Aclamação no Rio de Janeiro. 

A cidade de Campos dos Goytacazes, norte do Estado do Rio de Janeiro, possui uma praça principal chamada Praça do Santíssimo Salvador, à margem direita do Rio Paraíba do
Sul. Esse espaço sofreu algumas transformações ao longo de sua história. O presente artigo apresenta as mudanças ocorridas na praça, e destaca a última delas, ocorrida entre 2004 e 2005, que gerou a configuração atual.

Para isso será apresentado como surgiu esse espaço, a interação que ele produz, as reconstruções sofridas e os resultados das mudanças, através da análise de dissertações, monografias, artigos relacionados e fotografias. Foram realizadas visitas à praça, em dias e
horários diferentes, e entrevistados seus passantes. A relação de identidade das pessoas com a praça tem mudado devido às alterações feitas, e esse é o questionamento central: como a população campista vê a praça hoje?
Ao contrário do que muitos estudiosos afirmam, não existe uma falta de planejamento nas cidades brasileiras. As preocupações urbanísticas, sociais, econômicas e políticas sempre existiram, conforme nos declara Shürmann (1999). Diferente do desenho das cidades da América Espanhola, com um traçado geométrico em xadrez, as cidades da América Portuguesa se caracterizavam pela falta de ordem, o que parecia resultar numa ausência de projeto. 

Tradicionalmente sempre se viu a cidade colonial portuguesa como desordem, e as palavras de Sérgio Buarque são esclarecedoras nesse sentido:

A cidade de Campos dos Goytacazes, local onde se situa o objeto de estudo deste artigo, mais precisamente a Praça do Santíssimo Salvador, foi o ponto de partida da estruturação do entorno da cidade, abrigando, desde o século XVII, edifícios públicos importantes, como: a igreja (hoje a Catedral), a cadeia e a Casa da Câmara, e, posteriormente,
a Santa Casa de Misericórdia; além das casas, com estrutura arquitetônica da época, que sobrevivem em forma de comércios ou serviços, se misturando às estruturas mais modernas. 

A fundação de Campos a partir da praça do Santíssimo Salvador, e às margens do Rio Paraíba do Sul, com uma igreja, a cadeia, a casa da Câmara e a Santa Casa de Misericórdia, denuncia a forma de constituição de povoados do período colonial, conforme narrado por
Freitas (2006).

Segundo informação obtida no Museu Histórico de Campos, é a mais antiga da praça. A vista parte da Igreja matriz em direção ao rio Paraíba do Sul. À esquerda podemos ver a Igreja Mãe dos Homens, tendo ao seu lado esquerdo a Santa Casa de Misericórdia de Campos. Ao lado direito da foto, ocupando o que hoje temos como Praça das Quatro Jornadas, está a Casa de Câmara e Cadeia.
Segundo informações do site Campos Turismo, a Praça do Santíssimo Salvador foi separada da Praça das Quarto Jornadas, porque neste espaço, que hoje encontramos o Chafariz, se desenrolaram quatro grandes fatos históricos do Município. Foram eles: “15 de maio de 1739 - oposição dos oficiais da Câmara Municipal à posse de Martim Correia de Sá, procurador e filho do Visconde de Assecas, General Salvador Correia de Sá e Benevides, ocasionando diversas prisões; 1º de outubro de 1747 - prisão de oficiais da Câmara que não reconheceram a autoridade do Visconde e se opuseram ao Sargento-mor Pedro Velho Barreto, no Rio de Janeiro.

Várias reformas foram realizadas. A igreja matriz foi a primeira a ser remodelada, os edifícios foram pintados e a iluminação ampliada. A reforma tinha como símbolo a modernidade, e a catedral melhorada, segundo nos informa Azeredo e Rodrigues (2003), representava símbolo da força que o catolicismo, sob sua configuração mais conservadora, sempre imprimiu na região, e também como símbolo dos
ideais de modernidade apresentados pelo movimento de outubro de 1930. A primeira missa realizada na catedral ainda em obras foi a de 24 de dezembro de 1931, missa do galo, celebrada pelo bispo diocesano, D. Henrique Mourão. A inauguração da nova catedral de Campos ocorreu um ano antes das comemorações do primeiro centenário de sua elevação à cidade, em 1934, ano em que foi outorgada a primeira constituição da chamada Era Vargas.

Em 1937, o comício dos integralistas que terminou de forma trágica, com um conflito armado entre estes e os comunistas, resultando em dezenas de feridos e na morte de
uma pessoa, também na Praça do Santíssimo Salvador. Osório Peixoto (2004) narra a passeata: a multidão se posta na Praça São Salvador, já ocupada por milhares de pessoas, todas voltadas para frente da sede da Ação Integralista Brasileira que ficava onde é hoje a foto São Paulo. Diz a Folha do comércio que falava há 15 minutos o estudante Celso Peçanha quando foi aparteado por um popular-aparte de apoio, mas mal entendido – e há ligeira confusão e
pequena correria. Esta reforma representou um grande avanço na cidade, pois a Praça do Santíssimo Salvador passou a ser o cartão postal do município. Já na década de 40 houve outra reforma, que de acordo com Motta e Souza (2010), os jornais descreveram: Coube ao prefeito Salo Brand atender a uma das mais antigas aspirações do
campista, remodelando a Praça São Salvador. Velho sonho, velho desejo que se concretiza, depois de haver sido um permanente e diário assunto com prazerosa guarida na coluna dos nossos jornais. (...) Vendo-se o trabalho que
está sendo executado na Praça São Salvador, encanta-nos o capricho e o apurado gosto a que o serviço obedece.
Foi durante esta reforma que surgiu a ideia de colocar na
praça uma estátua em homenagem aos heróis campistas mortos na II Guerra Mundial, estátua que permanece até hoje, mesmo diante de todas as reformas sofridas.
Ao longo do século XX muitos comícios, manifestações sociais, passaram a utilizar a praça como local para momentos marcantes na vida da populaçãoNa década de 60 foi assinalada como de grandes mudanças, pois houve a demolição da velha Santa Casa de Misericórdia de Campos e a secular Igreja Mãe dos Homens, para a criação de um estacionamento, conforme se verifica à esquerda da
fotografia.

No fim dos anos 70 começam novas mudanças, com a retirada do ponto de ônibus da praça, porque com o aumento dos coletivos se tornaria inviável para permanecer utilizando
este local. Este ponto foi transferido para a beira rio.
Embora a fotografia acima mostre a existência do terminal, pois data do fim dos anos 70, ela mostra o chafariz ao meio, sufocado pelo dito terminal, que permaneceu após a transferência para a beira rio.

Mais tarde, no final dos anos 80, Anthony Matheus Garotinho foi eleito prefeito da cidade. Mais um projeto de remodelação e revitalização das Praças do Santíssimo Salvador e
das Quatro Jornadas foi criado. A intenção era ampliar os espaços e reintegrar as praças, uninido-as à Catedral Diocesana. O projeto também contemplou a recuperação do chafariz para seus moldes orignais. Motta e Souza (2010) nos narram: Essa reforma deu uma configuração às praças de maneira a poderem ser utilizadas como um lugar de lazer e permanência, sobretudo em dias quentes, pois, valorizou-se a presença de árvores e bancos de madeira e um calçadão em mosaico português.

A transformação espacial foi realizada também ao redor das praças, acompanhada de mudanças no trânsito. Houve a interligação da Praça Quatro Jornadas com a Praça São Salvador. A rua lateral da praça, localizada em frente ao Hotel Gaspar, foi fechada ganhando jardineiras e mudas de
palmeiras, permanecendo o trânsito aberto apenas no lado oposto, o dos Correios. Porém, em 1996 esta rua foi aberta mediante a justificativa de se garantir estacionamento em frente ao Hotel Gaspar.
A fotografia nos apresenta a penúltima configuração que a praça apresentou, com seus bancos de madeira, arborizada, e com pequenos gradis envolvendo pequenos jardins. Ao final temos a imponente Catedral.

Durante a administração do prefeito Arnaldo França Viana, foi realizada uma nova reforma da Praça do Santíssimo Salvador, entre os anos de 2004/2005, Como toda forma está relacionada a uma função, este novo formato deu
maior amplitude à Praça São Salvador e melhor visibilidade do seu entorno, sobretudo, da Catedral do Santíssimo Salvador. A fluidez do trânsito também foi levada em consideração nesta reforma. Uma passagem de
automóveis foi feita entre a Praça São Salvador e a Quatro Jornadas, dando acesso à Avenida Alberto Torres. Além desta passagem, foi feita uma abertura em frente à Catedral, permitindo ao motorista circular ao redor da Praça São Salvador. 
O prefeito tinha como objetivo algumas reformas e alterações, colocando em prática um plano de revitalização, atendendo às necessidades dos comerciantes: “A obra foi iniciada em 01/10/2004. O antigo piso quebrado, as árvores arrancadas, o chão remarcado, o sistema de esgoto refeito”. O projeto da reforma foi executado pelo Consórcio Queiroz Galvão/Odebrecth, sob a coordenação do engenheiro Sérgio Moreira Dias. “Portanto, o projeto da Praça do Santíssimo Salvador não tinha simplesmente a intenção de recuperar o local, mas a cidade como um todo, valorizando um dos mais importantes marcos e cartões postais do Município”. 

Ainda, não se tratava somente de uma releitura de tratamentos e revestimentos, mas revigorar as atividades do centro comercial, que estava perdendo espaço para os shopping centers, e recuperar prédios históricos em processo de decadência e decomposição. Dentre as principais ações ou características do projeto estavam um
tratamento de piso moderno, eficiente e duradouro, a recuperação dos antigos mosaicos da paginação de pisos, a ordenação do transito envoltório, parqueamento e demais atividades, renovação do mobiliário urbano com
simplicidade e modernidade, revisão da iluminação publica, contrastando detalhes se simplicidade e modernidade com a utilização de postes tradicionais, eliminação de elementos não originais da Praça, tais como o exótico pinheiro de Natal que encobria a fachada da Igreja, implantação de
paisagismo com palmeiras imperiais, pavimentação do chafariz, entre outras.
Motta e Souza (2010) afirmam que o momento da reforma se dá paralelamente a uma grande participação do município nos royalties de petróleo. Os autores dizem que essa
reforma, tanto quanto a de 1991, tinha como objetivo a restauração e revitalização de prédios históricos da praça. A obra foi orçada em R$ 6,8 milhões, preservando o monumento de honra aos pracinhas e o chafariz da Praça Quatro Jornadas.

Após esta reforma, a praça foi inaugurada em 12 de maio de 2005 com iluminação glamorosa. Motta e Souza (2010) relatam que esse espaço passou a ser visto de forma
diferente pela sociedade campista. Alguns eventos que já ocorriam, como a festa do Santíssimo Salvador, continuaram a ocorrer nela.
Outra forma de utilização da praça tem sido de atos dos políticos partidários. No dia 01 de setembro de 2010 houve um comício realizado pelo Partido da República. No mesmo
ano, a Praça se tornou palco de um grande evento para a cidade, a 6ª Bienal do Livro, promovida pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima. O evento foi realizado sob uma tenda que cobria toda a praça. O evento contou com a presença de grandes nomes da literatura, música, poesia, teatro e cultura.

Após essa última reforma, com o espaço ampliado, sem sombras de árvores, com os antigos bancos de madeira substituídos pelos de mármore, o uso da praça tem sido como local de passagem durante o dia, devido ao intenso calor. As frondosas árvores foram substituídas por palmeiras que pouca sombra proporcionam. Podemos perceber a presença assídua de visitantes/moradores da cidade nos fins de semana, e principalmente no período noturno.
Levar a família para visitar a praça, e permanecer nela após a missa aos domingos à noite, recebendo a brisa do vento nordeste, é atividade rotineira.

A imagem mostra o espaço ampliado, após a última reforma: Alguns bancos de mármore espalhados no seu entorno e a Catedral ao fundo. No seu lado direito, o antigo solar
do Visconde de Araruama, prédio amarelo, que hoje abriga o Museu Histórico de Campos, inaugurado em junho de 2012. O prédio esteve fechado desde 1997 por interdição da defesa civil devido às más condições de preservação.

Após a construção de um prédio de estacionamentos de três andares, com lojas e restaurantes no térreo, no espaço da antiga Santa Casa de Misericórdia de Campos, ao lado da
praça das IV Jornadas, a frequência durante a noite se tornou mais assídua. Antes, o comércio do entorno funcionava apenas em horário comercial e a praça era visitada com mais frequência nos fins de semana, à noite, principalmente em períodos festivos, como na festa do
Santíssimo Salvador e no natal.
Hoje, quem passa pela praça, sábado à noite, por exemplo, pode encontrar o comércio alimentício desse prédio aberto. Encontramos muitas pessoas sentadas no entorno do chafariz, em funcionamento, ou caminhando pela praça com seus familiares, ou andando de skate, patins.

A imagem mostra a Praça das Quatro Jornadas, com o chafariz em funcionamento, inaugurado em 2015, chamado pela prefeitura de “águas dançantes”, com caixas de som
instaladas nas suas proximidades, que tocam músicas variadas durante o dia e noite.
Por ser um espaço amplo, a praça também abriga a Feira Mãos de Campos, com o objetivo de resgatar o valor artístico-cultural do artesanato para o município. A feira funciona na praça de quinta a sábado, das 8h às 17h. Os artesãos, em barracas móveis, comercializam bordados, crochês, pedrarias, cestaria de palhas, doces, entre outros.
Aqui podemos enfatizar a discussão em torno da sobrevivência do artesanato nessa cultura de praça, conforme Chauí (1996) esclarece através da dicotomia conformismo e resistência. As produções culturais que a feira traz não se desvencilham dos “saberes artísticos”, e foram adaptadas às necessidades do mercado. O arsenal de produtos que a feira dispõe aos visitantes, e que os feirantes chamam de arte, “sobrevive” diante do comércio do entorno, com as lojas vendendo os chamados produtos industrializados.

A praça ainda acolhe as festividades do Santíssimo Salvador, que ocorrem todo dia 06 de agosto, com a participação assídua dos fieis, com comércio de barracas e shows financiados pela prefeitura da cidade, o que proporciona cerca de uma semana de festividades.


Nenhum comentário:

Postar um comentário